Reforma da Previdência e a curva nada normal da desigualdade

Por Roberto Nemr

Sem ela, futuro será a bancarrota
A questão estrutural básica hoje do Brasil é a Previdência. Cada país tem seus problemas e muitos terão que lidar com o envelhecimento da população, além da necessidade de financiamento dos mais velhos, como França, Itália, Japão, etc. Basicamente, com o avanço da medicina, as pessoas estão vivendo mais e, por outro lado, a taxa de fecundidade vem caindo.
No caso do Brasil, a taxa era de 4 a 5 filhos por casal nos anos 60; e hoje está um pouco abaixo de 2 filhos, o que seria menor que a taxa de reposição da população. Ou seja, estamos envelhecendo e temos menos mão-de-obra economicamente ativa para pagar pelos benefícios dos aposentados.
O ciclo fortemente recessivo dos últimos dois anos acentuou o problema, já que os empregados com carteira assinada e contribuição previdenciária da empresa (que representa 30% do salário) diminuíram proporcionalmente. O recolhimento aos cofres da previdência também enfrenta o desafio da terceirização, trabalho precário, pejotização* e, possivelmente, da reforma trabalhista.
A presente reforma em trâmite no Congresso inclui o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres com regra de transição, 40 anos de contribuição para benefício integral, também com regra de transição, equiparação das regras para funcionários públicos e INSS, entre outros pontos. Já é um abrandamento em relação à proposta inicial, mas com a crise política envolvendo a Presidência corre-se um risco adicional, o de protelação.
As contas têm que fechar e, para isso, ou se reduz a pensão ou se prolonga o período de contribuição; ou, ainda, empreende-se as duas coisas ao mesmo tempo.
É isso que a reforma almeja. Outro aspecto menos discutido é a injustiça flagrante de quem se aposenta no Brasil. A verdadeira elite dos aposentados, tanto em termos de idade, quanto de valor recebido, são os 310 mil funcionários públicos inativos que representam aproximadamente 15% do total dos gastos da previdência. Já a metade dos aposentados, ou seja, 15 milhões de pessoas recebem 13% do total de gastos com benefícios previdenciários.
E não é só isso. A renda média do aposentado militar é 8 vezes maior que a média nacional e do funcionário público aposentado civil e 7 vezes maior que a média do sistema. A injustiça maior ocorre nas pensões, que absorvem hoje 25% do total das despesas da previdência, é vitalícia e muitas vezes imediata, aplicável a casamentos muitas vezes de conveniência da pessoa idosa com uma jovem (ou vice-versa). Isso criou a indústria da pensão no Brasil, onde um jovem garante renda vitalícia ao estabelecer relacionamento estável com um ou uma aposentado(a). Também nas pensões, as grandes distorções ocorrem no funcionalismo público.
É necessário parar de drenar recursos do Erário a pessoas perfeitamente aptas a trabalhar e a usar um instrumento que deveria ser distribuidor de renda e não concentrador de renda. Sob pena de termos o mesmo destino da Grécia ou do Rio de Janeiro, onde não há mais recursos para pagar aposentados e não se paga; ou se atrasa; ou paga-se menos.
A outra opção é reformar a previdência, aumentando contribuições de quem pode pagar mais, funcionários públicos, militares e civis, ativos e aposentados, evitando que o peso da redução recaia nas costas tão somente dos mais pobres e desprotegidos. É necessário aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição, reduzir as fraudes, aumentar a contribuição dos funcionários e rever profundamente as regras de pensão.
O gasto total da Previdência é de R$ 450 bilhões / ano. Somando Estados e Municípios chega-se acima de R$ 700 bilhões em 20 anos, a proporção de idosos acima de 65 anos vai dobrar, passando de 15% para 30% da população total. A proporção de população ativa para aposentados vai pular de 8 por 1 para 4 por 1. Não precisa de muita matemática para provar que a dinâmica atual é insustentável.
O PIB brasileiro em 2016 atingiu, em valores correntes, R$ 6,2 trilhões, ou seja, gastamos 12% de nossa renda total em população inativa, quase 40% de todo o gasto governamental primário (excluindo juros). Só para efeito de comparação, a média da OCDE (maioria constituída de países ricos) é 8%, variando de 1,5% para México e 14% para Portugal. Nosso número é dos maiores em países em desenvolvimento, lembrando que na América Latina, Chile, México e Peru operam um sistema de acumulação e não pay-as-you go** como no Brasil.
Essa proporção do PIB no Brasil tende a continuar crescendo se nada for feito, tornando o pagamento dos direitos em 10 anos uma inviabilidade contábil. Não é uma questão ideológica, mas aritmética pura e simplesmente. Se o futuro da presidência é incerto, o da previdência é certíssimo. Sem reforma, a bancarrota é o único caminho.
 
(*) Pejotização: Refere-se à contratação de serviços pessoais, exercidos por pessoas físicas, de modo subordinado, não eventual e oneroso, na tentativa de disfarçar eventuais relações de emprego.
(**) Pay as you go : Regime de financiamento de seguridade em que não há formação de reservas.
 
Roberto Nemr é Consultor Sênior da Macrosector Consultores.