Produção brasileira de nitrogenados: Mudança de mãos a passos lentos


Fabio Silveira e Eduardo Daher 


Em agosto, a Petrobras anunciou novo prazo para que as empresas Proquigel Química, PJSC Acron e Formitex Empreendimentos e Participações – pré-qualificadas para participar do processo de licitação das Fábricas de Fertilizantes Nitrogenados (Fafens) da Bahia e Sergipe – façam a entrega de suas propostas para arrendamento das unidades. O prazo, que terminaria em 9 de agosto, foi estendido até 11 de novembro de 2019. Vence a licitação a empresa que apresentar o maior preço para o arrendamento pelo período de dez anos, renováveis por mais dez. Vale lembrar que a licitação inclui ainda os terminais marítimos de amônia e ureia no Porto de Aratu, na Bahia.
Quem arrendar as unidades terá a missão de buscar o gás natural para operá-las, já que a licitação não prevê o fornecimento do insumo. “Cabe ressaltar que a Petrobras não fornecerá gás natural diretamente para as fábricas. Os eventuais arrendatários deverão negociar este insumo diretamente com as distribuidoras ou buscar uma alternativa de suprimento”, diz o edital de licitação. A Fafen de Sergipe demanda 1,36 milhão de m3 / dia de gás natural e a unidade da Bahia, 1,4 milhão de m3 / dia.
Segundo recente comunicado da Petrobras, as três empresas já concluíram as etapas de visitas técnicas e receberam alguns esclarecimentos acerca da operação das unidades, porém, o adiamento para a entrega de propostas foi decidido com o objetivo de proporcionar às licitantes um prazo adicional para desenvolvimento de estudos e esclarecimento de dúvidas relativas ao recém firmado Termo de Compromisso de Cessação (TCC) celebrado entre a Petrobras e o CADE.
Tal termo estabelece como prazo-limite o final de 2021, para que a petroleira abandone sua posição dominante no mercado de gás natural, o que envolve a venda de ativos e de participações nos segmentos de transporte e distribuição e o arrendamento do terminal de regaseificação na Bahia. O significado disso é que enquanto persistirem dúvidas relacionadas ao referido termo, o processo de licitação continua em “banho-maria”, assim como a eventual retomada da produção de fertilizantes nitrogenados pelas Fafens.
 
Capacidades de produção das unidades incluídas no processo de licitação
Fafen (BA): Capacidade de produção total de 470 mil ton / ano de ureia, sendo essa produção dividida entre ureia fertilizante perolada, ureia industrial e ureia premium. Produz também amônia (440 mil ton / ano), gás carbônico e ARLA-32 (Agente Redutor Líquido Automotivo, produto de uso obrigatório em motores a diesel que façam uso da tecnologia SCR – Selective Catalitic Reduction). Possui, portanto, plantas de produção de amônia, ureia e ARLA-32.
Fafen (SE): Capacidade de produção total de ureia de 650 mil ton / ano, dividida entre ureia fertilizante perolada e granulada, ureia industrial, ureia premium, ureia para o segmento pecuário, amônia (450 mil ton / ano), gás carbônico e sulfato de amônio. Possui plantas de produção de amônia, ureia e sulfato de amônio (300 mil ton / ano).
Terminal Marítimo de Amônia e Ureia no Porto de Aratu (BA): Unidades portuárias com capacidade estática de armazenagem de 20.000 ton de amônia e 30.000 ton de ureia.
Observação: nas Fafens predomina a produção de ureia para uso fertilizante (85%), o que pode colocar a Acron na condição de provável arrendatária de ambas as unidades produtivas, pois, entre as três concorrentes, é a que tem maior expertise na produção de fertilizantes.
 
Impacto do arrendamento das Fafens no mercado brasileiro de fertilizantes nitrogenados
De todo o modo, espera-se que o arrendamento das Fafens não tenha impacto significativo no mercado brasileiro de fertilizantes, que continuará dependente da importação tanto de amônia, quanto de ureia. Antes da hibernação (interrupção progressiva da atividade industrial), iniciada neste ano, as Fafens não estavam produzindo nem 20% da ureia consumida pela agricultura brasileira. Mesmo quando as unidades operavam a 70% de suas capacidades instaladas, a produção delas não era suficiente para suprir a demanda interna (ver tabela abaixo).
De acordo com o Secretário de Desenvolvimento do Estado de Sergipe, a expectativa é de que inicialmente a empresa arrendatária consiga operar, na melhor das hipóteses, a 60% da capacidade instalada das unidades, tendo em vista que ambas apresentam deterioração de alguns equipamentos e necessitam de modernização de seus processos produtivos, considerados obsoletos quando comparados aos de outras unidades industriais do mesmo segmento existentes em outros países.
Uma vez feitos os ajustes necessários, é possível que as unidades possam passar a operar a 80% ou até 85% de suas capacidades, mas, mesmo assim, esse aumento de produção não fará frente ao crescimento projetado da demanda interna por fertilizantes nitrogenados. A defasagem existente entre oferta (considerando as duas unidades) e demanda continuará sendo muito grande.
Venda da UFN III ao grupo Acron estaria prevista para setembro
Quase cinco anos após ter sua construção paralisada – com cerca de 83% das obras concluídas – a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN III), localizada em Três Lagoas (MS), voltou a ocupar espaço na imprensa sul-matogrossense – na primeira semana de agosto – com a notícia do recebimento pelo governo do estado de um comunicado da Petrobras, no qual a estatal teria confirmado que a venda da UFN III à empresa russa PJSC Acron será concluída neste mês de setembro.
Uma vez fechado o negócio, a notícia é de que as obras da unidade seriam retomadas no primeiro semestre do ano que vem, com início das operações previsto para 2024. Como é de praxe em negócios desse porte, nenhuma das partes confirmou ainda o desfecho da negociação.
Caso a notícia seja confirmada, a empresa russa deverá investir um total de R$ 8,2 bilhões, sendo R$ 3,2 bilhões pagos à Petrobras; e R$ 5 bilhões empregados na conclusão da unidade e no pagamento de dívidas (acertos trabalhistas e com fornecedores), que estão pendentes desde dezembro de 2014, quando a estatal brasileira rompeu o contrato com o Consórcio UFN III, responsável pela construção da unidade e formado pela chinesa Sinopec e pela Galvão Engenharia, alegando irregularidades e descumprimento de cláusulas.
O que se tem de concreto até o momento é que, em reunião realizada no último mês de julho, a Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB), empresa estatal de energia da Bolívia, selou acordo com a Acron para o fornecimento de gás natural à unidade da empresa no Brasil. O acordo – divulgado pelas duas partes em meados de julho – prevê o fornecimento de 2,2 milhões de m³ / dia de gás natural pela empresa boliviana ao grupo russo por um período de 20 anos, com validade a partir de 2023.
Além de se tornar fornecedora da Acron no Brasil, a YPFB também se tornaria sócia da empresa russa na UFN III, com uma participação inicial de 12% no capital da unidade com opção de ampliar a participação para 30%.